terça-feira, 13 de março de 2012

Deslocamento a pé ganha espaço em Denver, nos EUA

Muitas pessoas assustadoramente em forma vivem em Denver. Num sábado de tempo agradável, ou mesmo numa manhã gelada de inverno, um exército dessas pessoas sai às ruas para correr e andar de bicicleta. Com suas passadas longas e o girar de suas rodas, elas deixam claro por que o Colorado é o Estado dos EUA com a menor proporção de obesos em sua população.

Mas caminhar para chegar a algum lugar? Isso é outra história inteiramente.

Pessoas como Gosia Kung e o médico Andrew M. Freeman estão tentando mudar isso. De maneiras muito diferentes e por motivos distintos - ela é arquiteta, ele é cardiologista - estão tentando reincorporar a atividade física à estrutura de um lugar que, apesar de seu ótimo índice de massa corporal, perdeu o contato com a ideia da caminhada como meio de transporte.

No ano passado Kung co-fundou um grupo sem fins lucrativos chamado Walk Denver que está tentando certificar a cidade como uma "Comunidade Aberta aos Caminhantes". A entidade representa os interesses de grupo até então sem voz, o dos caminhantes comuns. Em nome deles, fala com os planejadores da prefeitura, incomodando-os quando é preciso, e prega ao público.

Falando durante uma caminhada recente pelo centro da cidade, Kung disse que é o espaço físico de uma cidade que cria uma visão de mundo de pedestre. Calçadas amplas são essenciais, disse ela, mas elas apenas são um meio de acessar um ambiente que precisa recompensar os caminhantes com atrações, como compras e entretenimento voltados especificamente a pedestres.

Quer caminhem tranquilamente ou em ritmo acelerado, mais pessoas reforçam uma ideia antiga que, segundo Kung, muitas cidades já esqueceram: que saúde pública e vida econômica melhores andam de mãos dadas.

"Sempre me interessei pelo design urbano - como interagimos com os ambientes construídos e como eles nos afetam", contou a arquiteta, que passou a infância em Cracóvia, na Polônia, e nunca esqueceu o exemplo de suas densas e tortuosas ruas medievais para pedestres. Sua experiência nos EUA imediatamente envolveu o lado negativo da cultura dos automóveis.

"Quando me mudei da Polônia para cá, em 1997, tirei carteira de motorista e engordei dez quilos", ela contou.

Andrew Freeman lidera um grupo chamado Walk With a Doc (Caminhe com um Médico), que incentiva pacientes a saírem de casa, uma vez por mês ou mais, para perambular pela cidade na companhia de seus médicos. A caminhada mais recente do grupo, em janeiro, atraiu 135 pessoas, dez das quais médicos.

"Gosia trabalha para facilitar as caminhadas e inspirar as pessoas a andar", disse o cardiologista. "Nós estamos aqui porque o exercício é o melhor remédio que existe. É gratuito e não tem efeitos colaterais."

Em tempos em que a medicina é praticada com pouco tempo, disse ele, uma atração adicional para os pacientes é a possibilidade de passar tempo com o médico, andando ao lado dele. "Podemos bater papo", disse Freeman.

Mas será realmente possível criar uma cidade de caminhantes? Ou isso é questão de sorte? Manhattan, que quase certamente é a área urbana da América mais dominada por pedestres, nunca planejou isso; a densidade demográfica e o aperto da vida na ilha simplesmente fizeram isso acontecer, à medida que a cidade foi crescendo. Muitas outras cidades foram tão divididas ou fechadas pela explosão de construção rodoviária após a Segunda Guerra Mundial que a vida pedestre praticamente morreu, ou então nunca chegou a nascer.

Denver, fundada na década de 1850, durante a corrida ao ouro no Colorado, seguiu por um terceiro caminho, algo que os planejadores urbanos dizem que lhes deu grande esperança de que os caminhantes da cidade pudessem voltar a andar.

É verdade que a cultura dos carros deixou sua marca, abrindo artérias de concreto que atravessam a cidade e cortam bairros onde, no passado, as pessoas caminhavam até a feira ou até o trabalho. Mas a malha viária subjacente, disposta em torno do sistema de bondes que definiu os primórdios de Denver, criou um anel denso de "subúrbios de bonde" próximos que, segundo caminhantes, poderiam voltar a ser aproximados por pontes para pedestres.

A cultura mais ampla de atividades ao ar livre do Colorado - com as tradições de caminhada aventureira e esqui, que vêm ajudando a manter os índices de obesidade mais baixos que os do resto do país, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças - também levantam a esperança de retorno em grande estilo das caminhadas urbanas.

Os planejadores urbanos de Denver já tinham se fixado a meta de que até 2010 15% dos residentes da cidade fossem trabalhar de bicicleta ou a pé, contra 6% segundo o censo mais recente. Disseram estar gratos pela campanha lançada por Kung e seus voluntários.

Cindy Patton, urbanista sênior no Departamento de Obras Públicas de Denver, disse: "Existem na cidade organizações fortes em defesa do ciclismo, mas não havia uma voltada principalmente aos pedestres. Precisamos de organizações desse tipo para nos pressionar."

Kung disse que, por enquanto, sua meta não é a mobilização total do potencial exército de pedestres da cidade, mas a criação de estruturas que possam criar esse exército com o tempo.

Ela está trabalhando, por exemplo, com quatro escolas primárias para lançar um programa de "ônibus escolar pedestre" no próximo ano. Crianças e líderes adultos caminhariam para casa juntos, queimando algumas calorias e possivelmente adquirindo um novo hábito.

Em junho, a Walk Denver e outros grupos pretendem "invadir" um quarteirão decadente na zona norte da cidade por um fim de semana para mostrar, mesmo que por dois dias apenas, como a vida econômica e o tráfego pedestre podem andar de mãos dadas. Intitulada Projeto Quarteirão Melhor, a proposta surgiu em Dallas e é baseada na ideia de que transformações breves podem abrir o caminho para outras permanentes.

No projeto demonstrativo em Denver, empresas temporárias que vendem sorvete ou obras de arte serão instaladas em lojas vazias. Cafés ao ar livre surgirão do nada, como flashmobs, funcionando pelo fim de semana e depois desaparecendo, deixando seu exemplo como inspiração. Música ao vivo vai atrair as pessoas ao bairro, dizem os organizadores.

O dinheiro para tornar a América ou Denver mais aberta aos pedestres não anda exatamente caindo do céu. Dois projetos de lei dos transportes que estão em discussão no Congresso prevêem eliminar ou reduzir programas para fomentar caminhadas e ciclismo. Patton, do Departamento de Obras Públicas, disse que doações são mais necessárias que nunca.

Mas o lado positivo é que o próprio fato de caminhar pode levar as pessoas a poupar dinheiro que seria gasto com combustível ou passagens, custando a elas nada mais que as solas de seus calçados. A página do grupo Walk With a Doc, por exemplo, usa a palavra "gratuito" três vezes, em caixa alta, para evitar que alguém confunda as caminhadas com consultas médicas do tipo normal. 
Fonte: Folha.com

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